terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Não te vejo


Ando de cabeça baixa na rua  
Com o meu andar cansado
e o olhar fixado no chão,
no cinzento das pedras da calçada,
com ervas daninhas nas suas brechas
e pontas de cigarros espalmadas.

Tenho andado assim...
De cabeça baixa,
desde o dia em que a rua deixou de ser “a nossa”
para ser só “a minha” com pesar.

Ando de cabeça baixa na rua  
para não ver o meu reflexo  
nas casas vazias e abandonadas 
que antes me enchiam a alma
com as suas fachadas coloridas
de amarelo, azul e branco.
É como se tivesses levado o arco irís
O sol, a cores, as flores de alecrim
e todo o Alentejo...

Não tenho mais sementes
Nem mais terra para me plantar.

Está tudo neste chão que eu fixo
Quando saio á rua de cabeça baixa  
As fachadas caídas, as pedras rudes da calçada
Tudo está no chão!
Até os meus olhos.

No ar ficou o frio cortante da solidão                    
Um denso nevoeiro que afugenta a primavera   
As vozes das casas desabitadas
E este inverno que nunca mais acaba.

Há um vazio em tudo isto
Uma dor acentuada pela tua ausência
Até as andorinhas não voltaram mais
As oliveiras, os alandros, as romanzeiras secaram  
e das buganvílias apenas restam os espinhos

Levanto a cabeça por instantes
Deste chão onde me encontro

Eu não te vejo!
Onde estás?


©Altino Pinheiro 12.02.2020

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Profundo


Profundo era o carinho
um bem querer chamado encontro
Namoro de almas sedentas
Que decidimos chamar amor

Profunda era a chama
Ardendo constantemente como o sol
Luz nascendo no crepúsculo da madrugada          
Chama viva da ternura
Que nem a chuva da distancia
nem a sombra do silencio
conseguiam apagar

Profunda era a descoberta
No tempo em que ainda nos descobríamos
Cada um entregue á existência do outro
Ofuscados pelo calor da chama viva
calorosa e tremula ao mesmo tempo

Profundo era o toque
Quando poisavas as tuas mãos sobre o meu peito
E os nossos lábios esboçavam um beijo terno  
A mistica sensação das nossas faces encostadas,
As paisagens que nos tocavam
Os lugares que visitamos, as praias, as cidades, os lagos...
E os nossos corpos que não se continham na razão do prazer       
Nós tocamos um ao outro

Profundo era o sentimento
A inspiração nos fazia vibrar, dançar, chorar.... 
O sorriso desprendido das nossas bocas quando ríamos por tudo e por nada
O olhar inocente e atento que nos trazia o silencio  
E outros tantos gestos cúmplices e graciosos
conversar, caminhar, dormir e abraçar

Profundo era o amor
A ultima estrela das nossas manhãs                          
Delicada flor do teu jardim, perfumada de verdade    
Como as lembranças felizes dos dias terminados
que guardamos profundamente em nós
para que as horas esguias do tempo não as levem

Altino Pinheiro
10.02.2020