Deito este pedaço de carne viva cansada
pressentindo que não vai dormir
Peço à alma arrependida que me guarde
e não me deixe partir
Agradeço sem rezar a deus nosso senhor credos e atos
de contrição
ladainhas, pais nossos, salvé-rainhas, e deito-me em gratidão.
Abraço inseguro o meu leito, mortificado,
cansado, rogando aconchego.
Para que possa por fim dormir petrificado,
com desapego, em sossego.
Falsa é a promessa da noite,
cúmplice, cometida, metida em parvónia
Desta coisa que dorme comigo,
sobrevivida, prostituta chamada insónia
Companheira infiel, amante fugaz, par
de dança louca, camasutra doloroso
Frágil de sensualidade, mãe da
brutalidade, sexo tântrico pecaminoso
Sussurras-me historias de não adormecer,
como a prestação que está para vencer
Do papão da noite fria, a conta da
energia, o crédito cancelado pelo sono mal parado
Disfarças com teus comparsas; as
sirenes perturbantes, os gatos delirantes, e aqueles grilos irritantes. Um choro de bebé, a cafeína do café, o
pesadelo suado no relógio iluminado, delírio
doente e o teu roncar permanente.
E eu deitado, arregalado, enfadonho
peço-te, vai-te não me mates o sonho
Faço as pazes com o passado, dias
mexeriqueiros, conto carneiros, não me componho
Oh insónia estridente, intermitente
que me deixas esmirrado, pasmado, revoltado
Para que no gozo do momento, me arrases
o pensamento, e ficar bem acordado
Oh noiva prometida nesta noite de
novo perdida, cancro, remorso e ciúme em chama, sai já da minha cama.
Não quero os teus leitinhos mornos, nem
xanaxes engolir
Vão-se
embora demónios que eu só quero dormir.
© Altino
2013
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