quarta-feira, 15 de abril de 2015

Gerbera encarnada

A manhã fria de Abril acordou com o brusco silêncio da madrugada, que te procurava desesperadamente entre as névoas da noite sufocada, deixadas nos lençóis amarrotados da pequena cama perfumada de ti. Deu voltas e mais voltas no quarto do tamanho da sua paciência, chamou persistentemente pelo teu nome e de joelhos suplicou à manhã que a amparasse. Da amanhã acordada pelo súbito incómodo da madrugada apenas indiferença, e como resposta virou a cara para o lado do dia já acordado, que admirava a fresca solidão da tua gerbera encarnada.

Saiu à rua a madrugada atormentada, procurando-te por toda a cidade que ainda dormia, ressacada pela embriagues da noite, de lábios borrados pelo batom alaranjado, com a face ainda maquilhada pelas águas turvas do rio. Foi da estação ao terreiro procurando saber de ti, perguntado a ninguém o teu paradeiro, correndo desesperada pelo cais numa busca quase doente, louca e impaciente, pela cidade estranhamente deserta e estupidamente vazia de ti. 
E a madrugada terrivelmente assustada, visivelmente cansada molha as suas rugas antecipadas com uma lágrima rebelde de saudade. 

Nascia a tarde fosca, também ela sufocada como a noite embriagada, e de ti somente um nada. Um nada é quanto vale esta cidade no coração da madrugada, paredes pintadas de branca nostalgia onde apetece escrever o teu nome para que a cidade deserta saiba que a madrugada te procura no desespero da inquietação. 

A tarde esvoaça-se com as gaivotas alheias ao sofrimento desta madrugada, ferida pela dor de não te ver partir. Volta de novo a noite indiferente, trazendo épica solidão à nossa madrugada, que de ti não sabe nada. Deita-se serena nos lençóis da esperança de outras manhãs, de outras tardes e outras noites para um dia encontrar-te de novo de gerbera encarnada na mão.

Abril 2015
© Altino Pinheiro

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