Está frio, muito frio.
Os grãos de granizo caem abruptos na
laje do meu quintal, salpicando em ricochete como bailarinas doidas numa dança
de gotas de chuva alterada, gelada.
E a banda de gelo naturalmente
desajustada no compasso toca uma melodia estilhaçada um xeee continuo interrompido por um splash e depois em tom maior aquele som de vidro
quebrando.
Tenho de fechar a janela não vá o
frio entrar no meu quarto e gelar-me a concentração que bebo neste chá de
inspiração diluviana.
Está frio, muito frio.
Mas não quero aquecer-me, não quero!
Quero senti-lo como um dom desta
natureza que sou parte e se reparte.
Que pensas que pensa o cão lá longe
abandonado, aleijado, molhado que ladra para o maltrato deste frio?
Que pensas que pensa a acácia robusta
que permite piedosa seus ramos e folhas serem castigados por este granizo gelado?
Que pensas que pensa o sem abrigo esmolado
pelas feridas da sociedade, deitado em cartões de papelão que o embalam para a
morgue?
Que pensas que pensa a rocha, o rio,
o rato, a rua, a rosa, a rã e o rouxinol?
Está frio, muito frio.
Lá fora!
© Altino Pinheiro
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