sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Está frio, muito frio


Está frio, muito frio.
Os grãos de granizo caem abruptos na laje do meu quintal, salpicando em ricochete como bailarinas doidas numa dança de gotas de chuva alterada, gelada.
E a banda de gelo naturalmente desajustada no compasso toca uma melodia estilhaçada  um xeee continuo interrompido por um splash  e depois em tom maior aquele som de vidro quebrando.

Tenho de fechar a janela não vá o frio entrar no meu quarto e gelar-me a concentração que bebo neste chá de inspiração diluviana.

Está frio, muito frio.
Mas não quero aquecer-me, não quero!
Quero senti-lo como um dom desta natureza que sou parte e se reparte.

Que pensas que pensa o cão lá longe abandonado, aleijado, molhado que ladra para o maltrato deste frio?
Que pensas que pensa a acácia robusta que permite piedosa seus ramos e folhas serem castigados por este granizo gelado?
Que pensas que pensa o sem abrigo esmolado pelas feridas da sociedade, deitado em cartões de papelão que o embalam para a morgue?

Que pensas que pensa a rocha, o rio, o rato, a rua, a rosa, a rã e o rouxinol?
Está frio, muito frio.

Lá fora!

© Altino Pinheiro

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