domingo, 15 de novembro de 2015

Apenas adeus

















Apenas te digo adeus
Adeus sem mais nada
Assim, apenas adeus
Não até sempre
Até amanhã
Até breve

Adeus
Apenas adeus
Sem acenar minha mão
Lançar um beijo no ar
Sem lágrima caída
Magoada pela saudade

Adeus
Sem coração partido
Orgulho ferido
Ou peito apertado.
Sem esperança que fiques
Esperando que partas.

Adeus
Somente um adeus
Adeus e mais nada

© Altino
19.10.15


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O vazio

Hoje em dia é cada vez mais difícil manter um diálogo onde a verdade nos ajude a expressar os nossos estados de alma mais profundos. Partilhar as nossas filosofias pessoais, vivências, sentimentos e emoções. Não temos tempo, faltam as palavras, os ouvintes, as definições e as bocas. É bem mais cómodo abreviar, teclar e digitar. A propósito, dizia-me alguém um dia destes que ultimamente tem sentido um vazio tão grande, um estado de ansiedade constante como se algo estivesse para acontecer. Uma sensação de angústia e uma vontade de chorar sem razão aparente que o acompanha nos últimos tempos. Um desconforto que se manifesta através das emoções e dos pensamentos desordenados, que lhe assombram a mente, inquietado o seu espirito. Não entende este estado, tem uma saúde perfeita, não sente a falta de coisas materiais e tem a noção que a sua vida está cheia de experiências e pessoas que lhe satisfazem as suas elementares necessidades efetivas, mas que ainda assim, concluía: “é um vazio enorme que me incomoda”. A clareza com que exprimimos os nossos sentimentos mais profundos revela bem os estados emocionais que não desejamos, que queremos fazer desaparecer e acima de tudo entender.


Quando de forma consciente não entendemos o porquê dos nossos sentimentos e as circunstâncias que nos cercam, gera-se um certo estado de impotência da compreensão, um muro que se ergue perante a lógica e a razão. E sim, sentimo-nos literalmente vazios. Este sentimento deixa-nos abandonados à nossa própria sorte, á procura de respostas que estão algures por aí, muitas vezes mais perto do que imaginamos e que por qualquer razão não nos são facultadas. É um desafio constante e perturbador, em alguns casos associado a sentimentos de tristeza, consequência dos altos e baixos da própria vida e que todos temos. Mas não é o caso, aqui não existe a típica reação de medo, de desapontamento, de frustração, nem perda de entusiasmo pela vida. Pelo contrário, este sentimento desperta-nos para um reconhecimento introspectivo, de descobrir o que está por detrás do véu. De entendermos porque temos a sensação de que nada nos falta, de termos tudo e ao mesmo tempo sentirmos que não estamos preenchidos. Isto é realmente o que mais nos incomoda. Todavia, consoante a nossa disposição e as nossas crenças, podemos sempre encontrar neste vasto mundo de experiências renovadas, variadíssimos modelos de satisfação (duradouros ou não) que poderão preencher o vazio das nossas necessidades imediatas. Elas podem estar, quem sabe, nos deuses, nos santos, nas igrejas, no trabalho, na fortuna, no sexo, na aventura, na internet…, e ainda assim continuarmos vazios do essencial. A fé e as paixões podem realmente salvar-nos ou matar-nos, mas não nos preenchem! 

Afinal o que é este sentimento intermitente de vazio, por vezes tão imperceptível, outras vezes de uma manifestação implacável? O que é que nos vaza? Porque é que nos deixamos vazar, mesmo sabendo que nos podemos encher de tudo? O que é este sentimento de vazio existencial, tão reclamado nos dias de hoje e que se acentua ainda mais à medida que nos vazamos da nossa verdade? Esta sensação que se está a alastrar cada vez mais pelas sociedades que se enchem a vazar as prateleiras dos supermercados, que se enchem de superficialidades, de paixões tecnológicas e outros egoísmos modernos. E não importa que sejamos ricos ou pobres, cristãos ou judeus, aventureiros ou não, o vazio de nós mesmos é uma realidade que se cola como uma lapa à nossa rocha espiritual, dando de vez em quando uns coices de angústia na nossa personalidade. Talvez precisemos vazar o nosso eu abarrotado de narcisismo surdo, para preenchermos o vazio mudo que temos na realidade. Tal como dizia Spolaor “A verdadeira fonte da sensação de vazio, não é a falta de religião, nem de aventuras, sexo ou drogas. Nada disso. Ela advém da falta de você mesmo”.

Altino Pinheiro 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Descrença

Junho 2015
Não creio em deuses
Somente nas almas
Da minha mãe no céu
Do meu pai em mim
E creio na criação
Na descrença feliz
Dos peixes e animais
Na terra e na raiz

Não creio em deuses
Creiam eles em si




quarta-feira, 6 de maio de 2015

Queixas a Margarida

Não quero saber das novidades
Se as houver, não me sejam ditas
Estou que nem posso de falsidades
Possesso de tantas coisas malditas

Hoje não estou para conversas              
Para sensacionalismos
Farto de juras e promessas
E outros pseudo- altruísmos

Deixa-me estar no meu canto
Mais as minhas coisas poucas                   
Mas leva contigo o teu pranto
Queixas, ciúmes, ideias loucas…

 © Altino Pinheiro
      30.04.15
 

 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Gerbera encarnada

A manhã fria de Abril acordou com o brusco silêncio da madrugada, que te procurava desesperadamente entre as névoas da noite sufocada, deixadas nos lençóis amarrotados da pequena cama perfumada de ti. Deu voltas e mais voltas no quarto do tamanho da sua paciência, chamou persistentemente pelo teu nome e de joelhos suplicou à manhã que a amparasse. Da amanhã acordada pelo súbito incómodo da madrugada apenas indiferença, e como resposta virou a cara para o lado do dia já acordado, que admirava a fresca solidão da tua gerbera encarnada.

Saiu à rua a madrugada atormentada, procurando-te por toda a cidade que ainda dormia, ressacada pela embriagues da noite, de lábios borrados pelo batom alaranjado, com a face ainda maquilhada pelas águas turvas do rio. Foi da estação ao terreiro procurando saber de ti, perguntado a ninguém o teu paradeiro, correndo desesperada pelo cais numa busca quase doente, louca e impaciente, pela cidade estranhamente deserta e estupidamente vazia de ti. 
E a madrugada terrivelmente assustada, visivelmente cansada molha as suas rugas antecipadas com uma lágrima rebelde de saudade. 

Nascia a tarde fosca, também ela sufocada como a noite embriagada, e de ti somente um nada. Um nada é quanto vale esta cidade no coração da madrugada, paredes pintadas de branca nostalgia onde apetece escrever o teu nome para que a cidade deserta saiba que a madrugada te procura no desespero da inquietação. 

A tarde esvoaça-se com as gaivotas alheias ao sofrimento desta madrugada, ferida pela dor de não te ver partir. Volta de novo a noite indiferente, trazendo épica solidão à nossa madrugada, que de ti não sabe nada. Deita-se serena nos lençóis da esperança de outras manhãs, de outras tardes e outras noites para um dia encontrar-te de novo de gerbera encarnada na mão.

Abril 2015
© Altino Pinheiro

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Ama-te


Integralmente de corpo inteiro
Efémero edifício humano
Morada dos deuses e do tempo
Mundo de realidades e utopias

Por dentro e por fora.
De dentro e para fora

Ama-te

Tens além da perfeição
A alma toda na tua mão

Mutável no ser mais lindo
Absolutamente infindo
Até nas horas mais severas
Sobre teus ombros desiguais
Como todas as primaveras
Renovadas e imortais.















© Altino Pinheiro
      Abril 2015

quinta-feira, 26 de março de 2015

Calçadas de Alfama – (lírica)


Por escadas, ruelas e becos.
Desço e subo na minha quietude
Tal guitarra gemendo seus ecos
Sofrendo íngreme solitude

Neste fado da minha vida
Cantado como fogo em chama
Fica ténue a minha subida
Nas calçadas de Alfama

Na linha do lento eléctrico
Do Castelo a São Vicente               
Aquieto meu espírito poético
Volto de novo a ser gente

Neste chão raso, pisado              
Estão as pedras da minha alma
Perco os passos do passado
Nas calçadas de Alfama


© Altino Pinheio - Março 2015






sábado, 21 de março de 2015

Prosa adormecer

Lembras-te do poema que te li naquela noite tépida de outono (?)
No lado da noite do dia seguinte em que as horas fugiam do sono
Aquele sono vazio de sonho, fatigando dois corpos na ânsia de adormecer
Deitados pelo remédio da redenção, na cama que também se deita o prazer (?)

Lembras-te como rasguei o silêncio daquele quarto, dos outros quartos, da mesma cama (?)
Um poeta que de súbito se despe da insónia nostálgica, porque lendo também se ama
Acordei as palavras que dormiam na folha estendida sob o candeeiro muito iluminado
Li-te a prosa da casa azul, a que não nos deixava adormecer, apenas um poema acabado.

Lembras-te como sonolenta e séria, ouvias atenta a minha voz declamando baixinho (?)
Só a noite fugida e a madrugada avançada, conheciam tão bem o que escrevia sozinho
Lindo disseste com um beijo em forma de aplauso, bravo disse o sono que lá estava afinal
E adormecemos sob quatro estrelas que brilham como um sonho na constelação universal.



 © Altino Pinheiro

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Vão-se Foder



















Eu Pessoa
Morto, vivo.
Neste poema que ecoa
Daqui vos digo:
- Vão-se foder!
Os que não me sabem ler
Ou não me querem entender

Que dizem meu nome por aí
E me guardam numa selfie
Os viajantes cerebrais
Espanhóis, coreanos… açorianos.
E outros turistas tais.

Os de Alfama
Os da Madragoa
Que me chamam de PEXOA
PEXOA o caralho.
Sou Pessoa! Fernando.
Eu mesmo em papel e tinta
De perna cruzada com pinta
Na Brasileira do Chiado
Farto deste Jazz da treta
Do Kizomba feito fado

Sou Pessoa, ferro, metal…
Esqueleto polido imortal
Bronze de poesia.
Marco de literacia.
Zombie filosofal
Teosófico natural.

Sou Pessoa.
Da Pátria que já não sonha
Morto, vivo, à toa…
Tenham vergonha
Aprendam de novo a ler
Ou então…
Vão-se foder.