Hoje em dia é cada vez mais
difícil manter um diálogo onde a verdade nos ajude a expressar os nossos
estados de alma mais profundos. Partilhar as nossas filosofias pessoais, vivências,
sentimentos e emoções. Não temos tempo, faltam as palavras, os ouvintes, as
definições e as bocas. É bem mais cómodo abreviar, teclar e digitar. A
propósito, dizia-me alguém um dia destes que ultimamente tem sentido um vazio
tão grande, um estado de ansiedade constante como se algo estivesse para acontecer.
Uma sensação de angústia e uma vontade de chorar sem razão aparente que o acompanha
nos últimos tempos. Um desconforto que se manifesta através das emoções e dos pensamentos
desordenados, que lhe assombram a mente, inquietado o seu espirito. Não entende
este estado, tem uma saúde perfeita, não sente a falta de coisas materiais e
tem a noção que a sua vida está cheia de experiências e pessoas que lhe
satisfazem as suas elementares necessidades efetivas, mas que ainda assim,
concluía: “é um vazio enorme que me incomoda”. A clareza com que exprimimos os
nossos sentimentos mais profundos revela bem os estados emocionais que não desejamos,
que queremos fazer desaparecer e acima de tudo entender.
Quando de forma consciente não
entendemos o porquê dos nossos sentimentos e as circunstâncias que nos cercam, gera-se
um certo estado de impotência da compreensão, um muro que se ergue perante a
lógica e a razão. E sim, sentimo-nos literalmente vazios. Este sentimento
deixa-nos abandonados à nossa própria sorte, á procura de respostas que estão algures
por aí, muitas vezes mais perto do que imaginamos e que por qualquer razão não
nos são facultadas. É um desafio constante e perturbador, em alguns casos associado
a sentimentos de tristeza, consequência dos altos e baixos da própria vida e que
todos temos. Mas não é o caso, aqui não existe a típica reação de medo, de desapontamento,
de frustração, nem perda de entusiasmo pela vida. Pelo contrário, este sentimento
desperta-nos para um reconhecimento introspectivo, de descobrir o que está por
detrás do véu. De entendermos porque temos a sensação de que nada nos falta, de
termos tudo e ao mesmo tempo sentirmos que não estamos preenchidos. Isto é
realmente o que mais nos incomoda. Todavia, consoante a nossa disposição e as
nossas crenças, podemos sempre encontrar neste vasto mundo de experiências renovadas,
variadíssimos modelos de satisfação (duradouros ou não) que poderão preencher o
vazio das nossas necessidades imediatas. Elas podem estar, quem sabe, nos
deuses, nos santos, nas igrejas, no trabalho, na fortuna, no sexo, na aventura,
na internet…, e ainda assim continuarmos vazios do essencial. A fé e as paixões
podem realmente salvar-nos ou matar-nos, mas não nos preenchem!
Afinal o que é este
sentimento intermitente de vazio, por vezes tão imperceptível, outras vezes
de uma manifestação implacável? O que é que nos vaza? Porque é que nos deixamos vazar, mesmo sabendo
que nos podemos encher de tudo? O que é este sentimento de vazio existencial, tão
reclamado nos dias de hoje e que se acentua ainda mais à medida que nos vazamos
da nossa verdade? Esta sensação que se está a alastrar cada vez mais pelas
sociedades que se enchem a vazar as prateleiras dos supermercados, que se enchem
de superficialidades, de paixões tecnológicas e outros egoísmos modernos. E não
importa que sejamos ricos ou pobres, cristãos ou judeus, aventureiros ou não, o
vazio de nós mesmos é uma realidade que se cola como uma lapa à nossa rocha espiritual,
dando de vez em quando uns coices de angústia na nossa personalidade. Talvez
precisemos vazar o nosso eu abarrotado de narcisismo surdo, para preenchermos o
vazio mudo que temos na realidade. Tal como dizia Spolaor “A verdadeira fonte
da sensação de vazio, não é a falta de religião, nem de aventuras, sexo ou
drogas. Nada disso. Ela advém da falta de você mesmo”.
Altino Pinheiro